No Brasil atual, não se pode falar nas
estampas sem se falar em chita. E não se pode falar em chita sem falar em povo.
A chita nasceu pano popular. Vestiu populações carentes, escravos. Era o
paninho barato, de fácil acesso ao povo. Cresceu, apareceu se espalhou e se
transformou “na cara do Brasil”.
As roupas de Chitão já foram
característica do movimento hippie, identificando-se com o poder dos jovens,
flower power, o feminismo, black power, paz e amor, o psicodelismo, as mudanças
radicais. As repressões militares estagnaram o setor têxtil, fechando 130
tecelagens em três anos; enquanto isso os norte-americanos criavam tecidos com
fibras sintéticas que não amassavam. Criou-se então no Brasil o GEITEX - Grupo
Executivo da Indústria Têxtil - que estabeleceu metas para corrigir a situação
e conseguiu o apoio do governo às empresas para a fabricação de morim, chita
estampada e outros nove tipos de tecidos (MELÃO; IMBROISI e KUBRUSLY, (2005).
As Chitas vestiram personagens de
novelas como é o caso de Gabriela de Jorge Amado, o apresentador Chacrinha e
foram usadas pela estilista Zuzu Angel; também vestiram Gilberto Gil, Caetano
Veloso, passando a ser uma assinatura da alma brasileira durante a repressão.
No Brasil, depois de séculos vestindo
trabalhadores braçais, moradores de zonas rurais, meninas das festas de
interior, entre outros, a chita fez parte do movimento hippie e foi parar nas
passarelas internacionais. Zuzu Angel (1923-1976), estilista brasileira vítima
da ditadura militar no país, foi pioneira no uso do tecido em suas ousadas
coleções e o levou em uma viagem de volta à Europa, completando assim um círculo
de evolução e um retorno às origens. “A chita no corpo e no cenário dos
movimentos artísticos e revolucionários, em plena vitória da repressão, era uma
assinatura da alma brasileira, um desafio, quase um descaramento.” (MELLÃO,
2005, p. 127).
Além das roupas, o universo dos
acessórios de moda também passou a utilizá-la.
O Tropicalismo nascido na Arte
Conceitual de Oiticica (1937-1980) e Clark (1920-1988) e que teve adesão de
músicos, cineastas e intelectuais brasileiros, revolucionou a música popular
brasileira em 1968, intervindo na cena cultural do país de forma crítica e
vestiu-se com a já então brasileiríssima chita. Podemos dizer que o
Tropicalismo tornou fato as palavras de Flügel: “[...] que o não conformismo
nas roupas tende naturalmente a expressar o não-conformismo em ideias sociais e
políticas”. (FLÜGEL, 1966, p. 189).
Os anos 70 trouxeram um enorme colorido
e transformações no vestuário, principalmente feminino, sendo uma porta aberta
para a entrada e consagração da chita como tecido da mulher brasileira. Na
telenovela de 1975 da Rede Globo de Televisão, Gabriela, a pobre, linda e
sensual protagonista, vestida de chita, lançou moda e foi imitada por milhares
de brasileiras, transformando em moda algo tão próximo da realidade popular,
como Mellão nos conta em seu livro: “[...] o vestidinho de chita já era
considerado indispensável para a mulher brasileira: básico, simples,
fresquinho, ideal para o verão que aquece dois terços deste país durante três
terços do ano”. (MELLÃO, 2005, p. 71).
O caminho da chita partindo da moda e
migrando para a decoração foi percorrido naturalmente. A mesma chita que vestia
os menos favorecidos, camponeses, ex-escravos, já enfeitava as casas modestas
do povo brasileiro. Aos poucos foi invadindo casas da cidade como estilo de
decoração autêntica, podendo ser encontrada nas cortinas, almofadas, toalhas de
mesa, entre outros, talvez como uma maneira de transportar para dentro de casa
a exuberância da natureza tão inacessível nas cidades mais desenvolvidas.
Nossas chitas, de puro algodão, sempre
muito coloridas e geralmente mostrando motivos florais, podem ser vistas tanto
em colchas e cortinas de humildes casebres quanto na decoração de ricas sedes
de fazendas ou, ainda, alegrando danças folclóricas e festas juninas. (PEZZOLO,
2007, p.49)
Hoje, o que caracteriza o chitão são as
dimensões e as cores de suas estampas florais. Se alguém fizer essa estampa
sobre outro suporte que não seja morim, certamente a referência do novo tecido
será “estampa de chitão”.
A Chita Na Moda
A chita já nos deu o que olhar, agora
nos dá o que falar! Através de viagens, pesquisas e entrevistas realizadas
durante três anos, em parceria com Renato Imbroisi, foi possível reunir no
livro “Que chita bacana” preciosas informações sobre este tecido encantador
que, com certeza, faz parte do nosso patrimônio cultural. Como não vivemos só
de passado, idealizamos esta exposição com o objetivo de sinalizar novos
caminhos para a chita. Contando com o entusiasmo e talento dos estilistas,
apresentamos aqui o resultado deste desafio. Impregnada de cultura popular, a
chita alia-se à moda brasileira para juntas marcarem sua estreia no espaço
museológico.
Fotos: http://www.acasa.org.br/